Esta semana, tenho o enorme prazer de vos trazer uma entrevista com um dos maiores nomes da fotografia actual. Ele teve a gentileza de dispor de algum tempo para falar comigo, e partilhar algum do seu conhecimento. Sem mais, deixo-vos com Douglas Kirkland.
Relembre aos nossos leitores como começou na fotografia
Nasci em Toronto, no Canadá. Quando era muito novo, os meus pais mudaram-se para uma pequena cidade na fronteira americana com o Canadá (Fort Erie), onde cresci. Não acontecia muita coisa lá. O meu mundo de fantasia era ver revistas como a Life e a Look. Foi quando fui exposto ao mundo fotográfico.
Com dez anos fiz a minha primeira fotografia com uma câmara Brownie. Num dia frio de Natal, coloquei os meus pais em frente a casa, e fiz uma foto, ‘click’. Só tinha oito fotos na câmara. Era um grande acontecimento quando tirávamos uma foto. Não tirávamos fotos tal como hoje. Esse click foi onde começou a fantasia.
Quanto tinha 13 anos, fui trabalhar num laboratório fotográfico, a revelar fotos. Alguns anos depois, fotografava crianças e casamentos. A fotografia sempre foi a minha paixão, o meu amor, e sempre se manteve a minha fantasia.
Como disse, recebíamos algumas revistas. Eu olhava para as fotos e pensava “as fotos que estas pessoas tiram são fantásticas. Se eu tivesse um emprego desses seria o melhor emprego do mundo”. Foi assim que tudo começou.
Pensa que é preciso ter formação formal em fotografia?
Eu tive formação formal: dois anos de estudo em fotografia. Penso que ajuda. Mudou muito entretanto. No meu tempo estudávamos química, tínhamos cadeiras de arte que eram muito úteis, desenhávamos perspectiva, pintura, aprendemos os princípios da cor. Idealmente, é bom que um fotógrafo saiba tudo isto se puder. Se não tiver qualquer treino, é limitador. Não penso que seja crucial, mas é desejável.
Quais os principais obstáculos que enfrentou ao longo da sua carreira?
A fotografia é um mundo glamoroso para muitos. E muitas pessoas, especialmente hoje que as camaras foram muito simplificadas, dizem que querem ser fotógrafos. Isto causa muita concorrência, e esse é um dos obstáculos. O que é necessário fazer é, idealmente, saber sobre fotografia e estar confortável com isso. Também, relacionares-te com as outras pessoas e saberes vender-te como fotógrafo.
Quais são os ingredientes para ter sucesso como fotógrafo?
Há vários elementos que considero muito importantes. Uma das perguntas que me fazem frequentemente quando ensino é “como estabelece ligações com as pessoas?”. Para começar, eu gosto muito de pessoas. Tens de as deixar confortáveis. Não podes ter muito ego. O modelo é sempre o rei ou rainha em frente da objectiva. Gosto de saber tanto quanto possível sobre eles. As tuas fotos serão tão boas, quão bem eles se sentirem ao serem fotografados. Faço o possível para eles se sentirem descontraídos. Falo com eles frequentemente. A forma como falas com as pessoas depende de quem estás a fotografar. Recentemente tive um projecto em que tive de fotografar crianças o dia todo. Elas tinham idades entre 1 e 10 anos. Quanto fotografo uma criança de um ano, sento-me no chão e aproximo-me da realidade dela tanto quanto possível. Quando estou com uma criança de 12 anos, falo com ela num nível diferente. Tens de te pôr no papel. É o meu princípio, e tem funcionado bem ao longo dos anos.
Onde encontra inspiração?
Vejo muitos filmes, vejo muitas fotografias de outras pessoas, e olho para a arte ao longo dos séculos. Há certos fotógrafos que foram uma inspiração. Quando tinha vinte e poucos anos, trabalhei como assistente com Irving Penn, em Nova Iorque. Ele foi certamente uma inspiração. Mais tarde conheci Gordon Parks, o fotógrafo da Life magazine. Ele sempre foi uma inspiração, porque o seu trabalho é muito variado. O que quer que fizesse, fazia bem. Há outros. Sarah Moon para mim sempre foi brilhante. Podemos ir a todo o mundo, desde Eugene Smith a Cartier Bresson, e por aí fora. Todos recebemos inputs de todo o lado, se deixarmos a nossa sensibilidade aberta. Alguns podem dizer “eu não posso copiar isso”. Não copiamos, é apenas inspiração, motivação.
É algo feito espontaneamente. O meu mundo mudou enormemente ao longo dos anos. A vida mudou, e a fotografia mudou tecnicamente. Passámos da química para a electrónica. Para mim, foi uma transição natural, porque sou um indivíduo curioso. Tinha computadores já na década de 80, muito antes do Photoshop. Tinha-os porque queria saber como funcionavam. Estava, por isso, muito confortável em 1991, quando apareceu o Photoshop. A realidade é que temos de mudar com tudo o resto à nossa volta. Não faço um esforço para me rejuvenescer, porque para mim é espontâneo e automático.
Em que é que fotografar uma celebridade é diferente de fotografar outras pessoas?
Algumas pessoas sentem-se confortáveis à frente de uma câmara. As pessoas ligadas ao cinema têm câmaras à sua volta o tempo todo, e até percebem a diferença entre as várias lentes. Em última análise, a regra mantém-se, sejam quem forem. Tens de perceber que ele é a estrela, dar-lhe atenção. Se, por alguma razão, um indivíduo resiste, tens de falar com ele e levá-lo à razão. Hoje em dia, o que acontece é que faço algumas fotos e fico muito entusiasmado com o resultado. Então mostro-lhes a imagem na câmara, trazendo a energia deles. Fazer uma foto é um projecto colaborativo. Não sou eu sozinho. Fazêmo-lo juntos. E, quando o modelo participa no processo criativo, é espantoso o que eles podem fazer.
Sei que esta é provavelmente uma questão impossível, mas há alguma sessão fotográfica de que se sinta mais orgulhoso?
Há muitas fotos que têm muita importância na minha vida. Vou contar sobre uma. Quando estava na casa dos 20 anos, fui contratado pela revista Look. Fui contratado para fotografar moda, e para fotografar a cores, isto porque muitos dos outros fotógrafos tinham dificuldade em fotografar a cores. Estávamos em 1960. Em 1961, fui enviado à Califórnia para fotografar fatos de banho na praia. O meu chefe ligou-me de Nova Iorque e disse: “ A Elizabeth Taylor não dá uma entrevista há dois anos. Ela concedeu-nos uma entrevista, mas sem fotografias. Vai lá, e vê se a convences a autorizar-te a fotografá-la”. Em resumo, eu fui e fiquei sentado ao fundo da sala enquanto o jornalista fazia a entrevista. No final, dirigi-me a ela, tomei-lhe a mão, olhei-a nos olhos e disse: “É um prazer conhece-la Elizabeth. Sou novo nesta revista. Consegue imaginar o que significaria para mim se me desse a oportunidade de fotografá-la?”. Ela hesitou um momento. Continuou a olhar para mim e depois disse: “OK, venha amanhã às 20h30”.
Essas foram fotos muito importantes, porque correram o mundo. Não foi apenas a minha primeira capa na revista Look, mas também foi capa da Elle em França, saiu na Stern, e provavelmente até em Portugal. O mundo não via a Elizabeth há dois anos, excepto através de fotos de paparazzi. Isto pôs-me no mapa, e a fotografar outras celebridades de um dia para o outro. Viajei um mês com a Judy Garland. Fotografei-a com o Spencer Tracy, e com a Katherine Hepburn. Abriram-se muitas portas. Um mês depois, fotografei Marilyn Monroe e Marlene Dietrich. Mas tudo começou com aquela sessão, e aquela pergunta à Elizabeth.
Faz a pós-produção das suas imagens? Considera que há limites?
Sim, eu faço tudo. Em criança pintava, e estudei arte na escola, é tudo parte do processo.
Gosto de imaginar tudo até à fase final, porque é tudo parte da criação da imagem, na minha opinião. Faço pós-produção. Por vezes tenho de ter ajuda, quando estamos muito ocupados. Mas na situação ideal, gosto de levar o projecto até ao fim.
Que conselhos daria a alguém que se está a iniciar na profissão de fotógrafo?
O processo requer que tenhas ego e acredites em ti, mas não tanto ego a ponto de seres insensível aos outros. Porque os modelos fazem a tua foto, tens de ser sensível a eles.
Em temos de trabalho é um processo de construção. Não há um botão mágico que se carregue, e de repente és um óptimo fotógrafo. Para mim foi passo a passo. Trabalhei em jornais, fiz fotografia comercial, fiz uma série de coisas diferentes. Há que ter uma profunda paixão pela fotografia, e crença nas tuas capacidades. Para mim, o mais importante é tirares sempre o máximo partido de todas as oportunidades. Não deixar nada a meio. Só melhoras quando dás o teu melhor, e sentir-te-ás melhor ao fim do dia.
Além disso, analiso o meu trabalho constantemente. Será que me saí bem? E sou honesto comigo. Ou, não fui assim tão bom? Digamos que não correu tão bem: Quais os elementos que contribuíram para isso? Como posso prevenir que aconteça no futuro? Ou, se sentes que tiveste um triunfo, aceita isso e diz “correu muito bem!”. O que foi? Foi a luz? O modo como falámos? O que foi que correu tão bem? Aprendamos com isso. A vida é um processo de aprendizagem, se te interessares em vivê-la e tirar o máximo proveito dela.
Douglas Kirkland começou a carreira nas revistas Look e Life nos anos 60 e 70, a era dourada do fotojornalismo. Trabalhou como fotógrafo em mais de 100 filmes, incluindo Butch Cassidy and the Sundance Kid, 2001: A Space Odyssey, Out of Africa, Titanic, Moulin Rouge eAustralia.
As suas imagens icónicas de Marilyn Monroe, Elizabeth Taylor, Jack Nicholson, Angelina Jolie and Antonio Banderas, entre outros, são conhecidas em todo o mundo. Alguns dos seus livros incluem Light Years, An Evening With Marilyn, the best seller Titanic de James Cameron, Freeze Frame Coco Chanel, Three Weeks e Michael Jackson-The Making of Thriller.
De entre inúmeros prémios, destacam-se um “Lucie for Outstanding Achievement in Entertainment Photography”, um Golden Eye of Russia e o “Lifetime Achievement Award da CAPIC. Em Outubro de 2007, Douglas recebeu o título honorário de “Honorary Master of Fine Arts” do Brooks Institute, pela dedicação e empenho na sua profissão.
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